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Mensagem por druidadp Qua maio 10, 2017 4:39 pm

Benshiba - Adotado por MilkShakespare Cidade12
BENSHIBA - REINO DE BELTHOR

ESTA CIDADE É ADOTADA POR:
MilkShakespare
[Gustavo Moreira Barcelos]


Em: 10/05/2017

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Mensagem por MilkShakespare Sex maio 12, 2017 9:35 am

Contos de Benshiba.

O Alienâmbulo

1º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

Instou-me o Regente, meu senhor, insistentemente, com seu maneirismo característico, que lhe escrevesse certo conto fabuloso, a fim de dar mostras de ciência e sabedoria. Meu senhor, um tanto excêntrico em seu gosto pelos assuntos que o importam, presumira certa noite, entre devaneios, a possibilidade de trazer à vida os que dela partiram. Disse-lhe eu estar sobremaneira atarefado; todavia, foi imenso o entusiasmo por ele manifesto com tal ideia, que mal pude lho negar a realização deste capricho, especialmente após a generosa oferta em prata pela dita estória.
Meditando o pedido, pensei ser esta uma boa oportunidade para me ausentar da cidade, posto que este lugar me consome a serenidade por conta do tumulto das ruas à luz do dia, em seu fluxo vertiginoso de transeuntes a vociferar ofertas de gêneros ao barganhar ninharias; a blasfemar, a gargalhar estrondosamente; a exalar o odor fétido de gente desleixada em seus hábitos de higiene; a caminhas pelas ruas lutuentas, chapinhado a massa homogênea repleta de todas as imundícies de dejetos sedimentados e revolvidos a cada noite ou dia chuvoso.

2º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

Concordei, enfim, com a proposta. Reuni alguns manuais úteis ao intento da composição na insignificante biblioteca do Forte. Ao retornar ao meu aposento, avistei uma das cortesãs. Saudei-a cordialmente; mas ela não retribuiu a gentileza, como era comum em todos os nossos encontros. Fui tomado de velhos sentimentos e emoções, mistos de paixões esquecidas, e repugnância e ciúme e qualquer coisa parecida com o desejo de possuí-la apenas para humilhá-la.
Me recompus rapidamente, pois agora bem sei como empregar a prata que receberei.

3º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

Empenhei-me todo o dia em adquirir mais rápido o possível as noções da estrutura anatômica dos seres vivos, num livro cujo cerne temático é a dissecação de órgãos. Contudo, ao ler algumas explicações, me dia transpassando o limiar dos aposentos daquela insensível estúpida.
Estranha digressão esta...

4º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

Acordei sobressaltado ao ouvir o soar do toque matinal da corneta de caça. A noite anterior fora de exaustiva azáfama mental.
Nunca me houve a ideia de folhear qualquer tipo desses livros macabros, obra dalgum soturno estudioso do assunto. E seu autor era deveras obcecado por cadáveres. Notei-o pelo detalhamento das figuras e a minúcia dos conhecimentos nele contido.
Estou esgotado, e não posso afirmar se repousei, pois tudo que me lembro converge em imagens cadavéricas, cemitérios e figuras bizarras, oriundas dalgum pesadelo profano.
Reconheço estar confuso. A estas imagens veio-me a sensação de um cheiro pútrido permeando o ar. Acendi uma haste de incenso para dissipar o cheiro fantasmagórico. Inalei-o profundamente, o que presto e agradável alívio causou-me.
O Regente saiu em sua caçada, acompanhado de alguns guardas pessoais. É desumana a crueldade que estes monstros promovem por puro deleite. Certa vez, fui convidado a participar dessas cavalgadas -- e o que presenciei chocou-me profundamente. Jamais superarei o trauma. Chamam de diversão o regozijo da carnificina, exemplo da mais brutal selvageria, inexistente mesmo entre as criaturas incultas desse mundo. E os cães refestelando-se com a presa...
Pela manhã, pouco antes do sol estar a pino, dirigi-me à cozinha faminto e sedento. Desconheço a causa de tamanho apetite. Não sou dado à sofreguidão...

Devorei com avidez a carne recém assada, colocada à mesa; mas no pão sequer toquei. Na verdade, sequer o havia notado. Aliás, duvido mesmo se fui servido de pão, ou mesmo se me alimentei, pois ainda sinto intensa fome. Suponho a razão desse apetite incomum dever-se à fadiga por extensas horas de leituras noturnas. Pelo que se me afigura nem ao menos tive poucos momentos de descanso, o que justifica o desconfortável estado que me encontro.

5º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

Recomeço a leitura dos densos volumes. Mas algo em mim me inquieta e pouco me deixa concentrar-me no tema. Deveria ter levado a cabo logo esta tarefa ao ler apenas algumas páginas; porém a sensação de inanição me afasta a tranquilidade, o que me faz esquecer quase tudo o que li. Me dirigi à cozinha para dessedentar e, também, forrar o estômago com algo substancioso.

6º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

Padeço de terrores noturno indescritíveis: imagens de humanoides grotescos, hediondos, com as faces distorcidas por torturas de intensa agonia inefável assomam todas as noites em minha mente, e também quanto quedo em sono. Desde que comecei a ler estes suplícios livrescos, o mesmo pesadelo sinistro me acometeu nas madrugadas. Todavia, o mais intrigante nisso tudo é a figura dum rosto descarnado, hostil, a sorrir e a me fixar seu olhar agudo, penetrando os recônditos de meu espírito, a extrair dele algo que desconheço.

7º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

O dia amanheceu sob forte vendaval. O mau tempo fez jus ao ocorrido neste lugar.
Pela manhã, as aias, em gemidos chorosos, deixaram o Forte em polvorosa. Algo horrível havia acontecido, que as fizera correrem enlouquecidamente pelos corredores, levadas por acessos súbitos de loucura. De fato, eu adivinhara o motivo do desespero daquelas pobres mulheres.

8º Dia do Quinto Mês. Registros Gerais.

Não sei mais o que me transtorna: se meu sofrimento e minha indignação, ou as noites insones e seus pesadelos enquanto estou desperto. O pior deles foi real: durante toda a noite e até o início da manhã, permaneci sob vigilância, ao passo que prosseguiam com a inspeção. O Regente fez questão de dar o ar de sua graça, e ele próprio me interrogava, fazendo-me perguntas, as quais eu respondia vagamente. A desconfiança por parte dos soldados era visível, porquanto um deles jurava ter-me visto perambulando pelos corredores na noite fatídica.
Aguardarei a misericórdia e o bom julgamento de meu senhor, ainda que sua gratidão em me adiantar a prata pouco me importa agora.
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Mensagem por MilkShakespare Qui maio 25, 2017 3:17 pm

A PAGA.

Há dois dias margeavam o rio à procura do sinistro vulto que abandonara o corpo daquele jovem ao chão lamacento, inerte e dilacerado. Os rumores de seu aparecimento espalharam-se pela cidade, cada qual permeado de horror e exageros. A disseminação da “lenda” entre a plebe tornou a vida dos supersticiosos insuportável; mas aos incrédulos, aquilo não passava de outra história contada pelos navegantes à luz das fogueiras, sob efeito de muita bebida.

---Não a mim! Aquele maldito é real; e, sendo real, vai sangrar! Traremos ele ao Lorde Marslow e seremos bem recompensados.

---Ou teremos nossas cabeças espetadas em lanças enfeitando a praça do Forte. Lembre-se que fomos avistados junto ao corpo, enquanto o assassino fugia.

---E seremos os primeiros a provar que toda esta história de velhas é mentira, quando levarmos a julgamento o maldito. Lorde Marslow não é tolo. Saberá distinguir a verdade. Quem sabe, poderemos ser recompensados com um lugar na guarda da cidade?

---Não voltaremos à cidade de barriga vazia. O que trouxe?

---Três amêndoas e um peixe salgado. E água.

---Maldição...

---Guarde suas pragas para quando acabar suas moedas.

---Pensando nisso, como pretende gastar sua pequena fortuna, 'milord'?

---Vou à Benshiba comer tudo a que tenho direito. E beber tanto vinho de Nilo – como é mesmo que o chamam? Saqui, é isso? – até vazar pelo nariz!

---A casa de pasto de Madame Stella é conhecida pela boa comida. Lá, eles servem camarões do tamanho de abacaxis.

---Lagostas, meu caro. Lagostas. Ah! Vou pousar naquele lugar por pelo menos uma semana. Os quartos são mais limpos do que os frascos dos alquimistas. Imagine: colchões de algodão, cobertores de linho, água junto à cama em tinas de cobre...

---Os quartos são perfumados, ouvi dizer.

---Sim. À entrada o umbral sólido, talhado, apresenta a todos o conforto do interior. No salão principal, cujo chão é limpo e polido todos os dias, há mesas – mesas! – para o desjejum. Há espaço para toda a Belthor, sem exageros. Do teto pende um timão de bronze adornado com globos de vidro – presente de um tal Comandante Leonoro –; dentro deles, velas aromáticas odorizam todo o lugar a noite toda.

---E não se esqueça da música.

---Nunca esqueci, desde que parei em frente a entrada e minha imaginação me conduziu para o interior, abandonando-me lá dentro. Às vezes a imaginação é mais cruel do que a própria realidade...

Ao pôr do sol, avistaram ao longe uma aldeia de casas rústicas, organizadas em círculo, em cujo centro crepitava uma intensa fogueira.
A noite velou o céu com seu manto estrelado, quando, esgueirando-se entre as poucas árvores próximas à vila, aproximaram o suficiente para notar à roda da fogueira três figuras humanas imóveis. Permaneceram observando por longo tempo, sem ao menos que uma das estranhas silhuetas fizesse um gesto sequer. Entreolhando-se, mudos, a cada instante o completo silêncio aumentava a tensão do momento. Com a respiração lenta, abafada, de um e outro era o barulho mais audível que ouviam, seguido pela madeira incandescente a estalar ao fogo. Contiveram-se o quanto puderam, até que, após combinarem se aproximar do centro da vila, com um gesto de cabeça, adiantaram à vista dos demais.
À medida que avançavam, seus temores cresciam conforme vislumbravam o quão bizarra era aquela cena: haviam quatro silhuetas duas de frente às outras duas, as mais distantes iluminadas pela luz do fogo, e duas delas de costas para eles. Nenhuma se movia. Mas perceberam que seus rostos eram mesmo de humanos. Ficaram cada um diante dos aldeões mais próximos.

---Responda-me, pescador: – o que está havendo aqui? – O aldeão permaneceu calado a fitar a fogueira.

---Eles estão vivos, mas aparentemente... sem vida. Este aqui encara o fogo como... como se estivesse sido enfeitiçado.

---Que tipo de diabolice é esta?

Novamente entreolharam-se, pasmos. Entre eles, a fogueira permaneceu intensa, crepitando. Ao voltarem a atenção para a “lenha” que mantinha o fogo aceso, a visão aterradora que tiveram fê-los recuarem alguns passos, esbarrando nos aldeões imóveis.
Não havia lenha alguma ali. O combustível da grande fogueira ao centro da aldeia eram numerosos cadáveres.
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Mensagem por MilkShakespare Seg Jun 12, 2017 4:31 pm

Mal a neblina dissipara, e ele estava à amurada, observando as ruelas da cidade. A suave brisa matinal murmurava, em seus ouvidos, lembranças de tempos idos. Uma saudade indizível arrastava seus pensamentos às montanhas, seu lar e sua origem. A mão firme repousava sobre a rocha lavrada das ameias, e um suspiro lamentoso denunciou seus pensamentos.

-- Milord?...

-- Há quanto tempo está aí, Danariel?

-- Tempo o bastante, milord. Não pretendia incomodar suas meditações. Bem sei o quão caras elas lhe são.

-- O que deseja?

-- Os soldados retornaram da vila, milord. Trouxeram consigo os dois desconhecidos que foram avistados junto ao jovem Aalin, morto há cinco dias.

Outro julgamento. Não era incomum a ele, devido ao seu posto na cidade, e ao título que lhe pertence. Mas o fazia a contragosto. Mesmo diante dos boatos dos cidadãos, ainda temia algo; estava inseguro, pela primeira vez em sua vida.

--Leve-os para as celas. Irei interrogá-los no pátio.

-- Como desejar, milord.

-- Danariel!

-- Pois não, meu senhor.

Manteve o olhar fixo no horizonte. Seu silêncio sequer foi novamente perturbado. Após alguns instantes, voltou-se para seu criado. A expressão meditativa e grave não o deixara de todo.

-- Pode ir.

A sala parcialmente decorada não oferecia o conforto àquela situação que o aguardava. Observou sua espada, seu escudo; seus pertences em geral. Nada daquilo condizia com o sentimento que se revolvia em seu íntimo. Mesmo o Forte, seu "lar" e símbolo de sua força, não o amparavam.

Soou a corneta que anunciava todas as manhãs o rito preparatório aos julgamentos. Seu dever, sua honra, sua glória e a segurança da cidade dependiam do juízo que se fazia dos condenados. Absolvê-los poderia causar desaprovação por parte dos benshibanos, mesmo que a inocência do infeliz estivesse patente, diante da multidão de ilusões a que o povo rude cria em torno de figuras como estas. Um crime não apresenta muitas versões, e mesmo entre as discrepantes há uma certa coerência entre os depoimentos, algo em comum que ressalta a falta cometida, ou a inocência ignorada.
Haviam cerca de cinquenta guardas no pátio do Forte, vestidos de cotas de malha com placas peitorais a reluzir o esmero com que haviam se preparado para a ocasião. Lanças e escudos completavam o conjunto.
Ao centro, Marslow, um nobre da cidade e dois outros escribas, homens letrados e conhecedores das leis do Reino de Belthor. Os dois mercenários desconhecidos estavam em pé, agrilhoados, cabisbaixos.

-- Não disseram uma só palavra desde que os capturamos. Permaneceram mudos o tempo todo. Sequer reclamaram água para beber -- disse um dos guardas investidos da tarefe de trazer os criminosos à justiça. A vila estava arruinada. Havia uma pilha de ossos ao centro dela. Tememos que os aldeões dali tenham sido mortos e queimados por esses dois.

Marslow entreviu-lhes a ausência do que poderia ser a sua alma. Seus olhos baços exibiam a diafaneidade dos dementados. Não havia neles qualquer coisa que se poderia ser chamada de vida.
Por um momento, sentiu-se como um deles. A vida naquela cidade causara-lhe uma espécie de deslocamento de seu ser. Ver-se aclamado por todos era algo que lhe fazia bem, até certo ponto. Mas queria mesmo a glória e o louvor por parte de seus iguais.
Imaginou o tipo de pensamento que tais indivíduos, prestes a terem suas cabeças expostas na amurada, teriam naquele instante. Já julgara outros como eles, mas os outros apresentavam medo, fúria, terror, e até mesmo certo sarcasmo quando fora proferida a sentença. Mas não os que estavam diante de si. Estes sequer erguiam a fronte para o seus acusadores e algozes.

E isto lhe causava certo temor.

-- Diante das testemunhas, do povo de Benshiba, da Nobreza que neste forte é prova do silêncio dos acusados; e, em vista do mal que eles causaram a várias vidas, que lhes seja imputada a pena máxima, para purificação de seus crimes e para a paz de nosso reino. Que a Espada de Hagr seja certeira e livre de qualquer culpa.

O espetáculo que se seguiu foi mais um episódio da autoridade de Marslow posta em prática. A sua mão firme, que tantos golpes desferira nos inimigos, deu o sinal para o carrasco decapitar os acusados. Erguida para os céus, a mão aberta, em sinal de punição, desceu em direção ao solo quase seguida dos golpes precisos do machado dos executores.
No entanto, neste mínimo espaço de tempo, um deles gritou algo, um nome, uma palavra qualquer, talvez. E foi o suficiente para fazer gelar o sangue de todos ali que a conheciam; quase tão poderosa a ponto de aparar a lâmina do machado e fazer a Hagr ser imputado o crime de ter cometido injustiça. E a mão de Marslow, tantas vezes sólida e segura como a rocha da ameia em que repousava-a, vacilou.
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